Transbordamentos.
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A questão toca num ponto fundamental da filosofia materialista. A resposta é um claro sim.
Existe sim uma vertente forte dentro do materialismo que prioriza o "ser" (a existência, as condições materiais, as relações sociais) sobre o "ter" (a posse, o consumismo, a acumulação). Na verdade, para essa corrente, o "ter" é uma consequência de um determinado modo de "ser" social e histórico.
A filosofia que melhor exemplifica isso é o Marxismo.
Por que o Marxismo tende ao "ser"?
O cerne da análise marxista é a crítica das relações sociais de produção. Ou seja, não importa o que você tem (seu carro, sua casa, seu salário), mas como você existe dentro do estrutura econômica da sociedade.
1. A Primazia das Relações sobre as Possessões: Para Marx, o que define um indivíduo não é o que ele possui, mas o seu lugar nas relações de produção. Você é um proletário ou um burguês não porque tem pouco ou muito, mas porque a sua existência social está condicionada a vender a sua força de trabalho ou a comprar a força de trabalho dos outros para gerar lucro. O "ser" (a classe social) determina as possibilidades do "ter".
2. A Crítica da Alienação: Sob o capitalismo, o trabalhador é alienado. Isso significa que o produto do seu trabalho (aquilo que ele produz, a extensão do seu "ser") se torna uma coisa alienada, uma mercadoria que ele não controla e que acaba por dominá-lo. O foco desloca-se do ato de criar (ser) para o acto de possuir (ter) o produto final. A filosofia marxista é uma tentativa de restaurar a primazia do "ser" activo e criativo sobre o "ter" passivo.
3. O Fetichismo da Mercadoria: Marx argumenta que nas sociedades capitalistas, as relações sociais entre pessoas (o "ser") são transformadas em relações entre coisas (o "ter"). Nós valorizamos a mercadoria (o objeto possuído) e esquecemos o trabalho social e humano que a produziu. A filosofia materialista marxista tenta desfazer esse fetichismo, mostrando que por trás de todo "ter" existe um "ser" – o trabalho humano.
4. O Objetivo Final: O Ser Genérico: O objetivo do comunismo, na visão marxista, não é que todos tenham a mesma quantidade de bens, mas que todos possam ser plenamente humanos. É a ideia de um "ser genérico" onde o indivíduo realize o seu potencial criativo livre da necessidade de vender o seu trabalho para sobreviver. O foco é na realização da essência humana (o ser) e não na acumulação de objetos (o ter).
Outras Correntes Materialistas que Privilegiam o "Ser"
· Epicurismo e Estoicismo (na Antiguidade): Embora possam ser vistos como materialistas (acreditavam que tudo era composto de átomos), a sua ética era profundamente focada no "ser" – na busca da ataraxia (tranquilidade da alma) e da virtude. Eles argumentavam que devemos reduzir os desejos por posses ("ter") para alcançar um estado superior de serenidade e autossuficiência ("ser").
· Alguns Ramos do Materialismo Contemporâneo (e.g., Novo Materialismo): Correntes filosóficas recentes, influenciadas por Deleuze, Foucault e outros, enfatizam a "materialidade" não como coisas estáticas, mas como processos, fluxos e afetos. Eles estão mais interessados em como as coisas devenem (como chegam a ser) do que no que elas são como objetos possuídos.
Conclusão
A sua intuição está correta. Enquanto o materialismo é frequentemente associado ao consumismo (a ênfase no "ter"), a sua expressão filosófica mais profunda, particularmente na tradição marxista, faz exatamente o oposto: é uma crítica ferrenha à redução da vida humana à mera posse de objetos.
Ela postula que o "ter" é uma categoria derivada e, por vezes, alienante, e que a verdadeira análise deve começar pelo "ser" – pelas condições materiais, históricas e sociais da existência humana. Portanto, o materialismo filosófico, na sua vertente crítica, é uma das filosofias que mais tende para o "ser".
Chtagpt:
Sim — embora o materialismo, por definição, parta da primazia da matéria, há correntes que deslocam o foco do simples “ter” (acúmulo de bens) para uma compreensão mais profunda do ser enquanto existência concreta e situada no mundo.
📚 Alguns exemplos e nuances:
- Materialismo humanista (Feuerbach) – Ludwig Feuerbach reinterpretou a religião como projeção da essência humana. Para ele, compreender o ser humano em sua dimensão material — corpo, necessidades, relações — era central, e isso implicava valorizar a realização pessoal e coletiva, não apenas a posse de coisas.
- Materialismo histórico (Marx e Engels) – Apesar de enfatizar as condições materiais de existência, Marx via o “ser social” como resultado das relações de produção e da prática transformadora. O objetivo não era acumular, mas criar condições para que o indivíduo se desenvolvesse plenamente em comunidade.
- Materialismo dialético – Aqui, o ser é entendido como processo: a realidade (inclusive a consciência) é fruto da interação dinâmica entre matéria e vida social. O “ser” não é algo fixo, mas se constrói historicamente, a partir de condições concretas.
- Visões contemporâneas – Filósofos como John Searle ou Daniel Dennett, embora fisicalistas, exploram a consciência como fenômeno emergente da matéria, deslocando o interesse para a experiência vivida e não apenas para o consumo.
💡 Em resumo: há sim filosofias materialistas que tendem mais ao ser — mas é um “ser” entendido de forma imanente, inseparável das condições materiais e históricas, e não como essência metafísica.
Se você quiser, posso te mostrar um quadro comparativo entre correntes materialistas mais voltadas ao “ter” e as mais voltadas ao “ser”, para visualizar melhor essa diferença. Quer que eu monte?